Bem sei
como tudo começou. Com os cigarrinhos de chocolate. Vinham em dez ou doze numa
caixa com um neguinho sorrindo feliz da vida com um deles entre os dedos. Eu,
que na época sonhava em ser crioulo que nem o Wellington, colega de turma que
batia um bolão e tinha o codinome de Pelé no racha, achei que poderia chegar
perto se parecesse com o neguinho da embalagem. Comecei devagar, uma caixa por
dia, comprada com o dinheiro da merenda, tirando onda com as meninas e
cantarolando o jingle do Hollyood, entre um recreio e outro ao lado de Pelé e
outros craques da racha. Não, não estou justificando minha atual situação, mas
qualquer psicólogo de merda ficaria comovido ao saber que depois de comer três
carteiras por dia, passei pras moedinhas de ouro que imitavam um Cruzeiro. Meu
recorde foi sessenta e quatro cruzeiros em uma hora apenas, pra inveja de Pelé
e Jairzinho que pararam nas quarenta e nove moedas. Tanto chocolate nos deixava
ligados, espertíssimos, moleques com bicho carpinteiro, como dizia minha
falecida avó também viciada em três carteiras de Hollyood por dia. Um dia a mãe
foi chamada na escola e eu, Pelé e Jairzinho pra inspetoria por suspeita de
trocar nossos kichutes por dez sacos de moedinhas com o Juca, dono da
barraquinha de balas. Minha mãe não caiu no conto do assalto (que na época era
meio inverossímil um moleque de nove anos ser assaltado em plena Laranjeiras),
o Juca foi expulso de seu ponto na frente da escola e eu levei uma surra de
cinto que me deixou traumatizado com os chocolates.
A falta do
Juca, trafica de moedas, cigarros, laranjinhas, balas boneco, soft e
outras merdas viciantes, nos levou a procurar outra coisa pra nos animar.
Jairzinho ganhou do pai separado um telejogo. Vamos estudar na casa dele, era a
senha liberada por todas as mães e lá íamos eu e Wellington passar um fim de
semana inteiro entre paredão, tênis e futebol de tarde, cigarros hollyood no
banheiro à noite e sala especial com Vera Fisher na madrugada. Felicidade geral
quando aparecia um peitinho da Vera ou da Lucélia pra gente correr ao banheiro
e deixar a Ele e Ela do pai do Jair com mais páginas grudadas. Três vezes no
mínimo cada um. Litros de porra adolescente. Mas para quê estou contando tudo
isso? Ah, sim. Estou tentando justificar porque entrei para o CSA. Compulsivos
Sexuais Anônimos. Foi uma seqüência de pequenos vícios. Este é o discurso que
estou preparando para mais tarde, quando terei que dar um depoimento e comover
a todos tarados da reunião. O melhor destas reuniões é que há sempre um ou outro
que não está ali pra se curar, e sim em busca de mais sacanagem. No último
encontro havia uma loirinha tatuada que me comia com os olhos. Olhei pra ela e
a puta abriu as pernas. Sem calcinha. Sorriu e piscou um olho. Hahaha. Vim ao
lugar certo, pensei. Fiz cara de cachorro arrependido e assinei a ficha de
inscrição. Nunca procurar sexo foi tão fácil. Saí e levei a putinha pra casa.
Fodão. Mas o depoimento é verídico. Não estou mentindo em nada do que escrevo
aqui. E se me esmiúço nas lembranças é que tomei gosto pela coisa e faz bem
revirar o baú de memórias. Lucélia foi minha campeã de homenagens, só perdendo
para Narjara Turetta em Malu Mulher que rendia bem umas cinco punhetas a cada
episódio, toda quinta à noite. Eu tinha quatorze anos e muita disposição. Mais
uma vez a grana da merenda era economizada sistematicamente para a compra de
Ele e Ela, Internacional, outras bem mais barra pesada que ficavam escondidas
no fundo do armário, sendo achadas volta e meia pela empregada Jussara. Ah,
Jussara! Mulatinha gorda e safada dezoito aninhos, cúmplice de minhas pequenas
perversões. Um dia entrou no meu quarto e me pegou de pau na mão. Que isso que
tu tá fazendo garoto? Não adivinha? Se tua mãe sabe de uma coisa dessas... Pára
com isso Juça. Olha só pra essa foto. Onde é que tu arranja isso menino? Com o
jornaleiro da esquina. Tem mais aqui, quer ver? Só um pouco que eu tenho que
voltar pro serviço. Pediu umas revistas pra levar pro quarto. Só se você pegar
aqui. Pára garoto! Pega aqui senão conto pra mãe que você adora uma sacanagem e
fica no telefone pendurada com o teu macho. Pegou e chupou. Também chupei seus
peitos. A boceta eu tinha nojo, só enfiava o dedo. Até hoje lembro do cheiro de
suor. Das auréolas imensas dos peitos de Jussara. Meu primeiro toque numa
mulher de verdade. Durou bem uns dois meses minha aventura. Um dia minha mãe
chegou e nos descobriu trancados no quartinho da despensa. Jussara foi
dispensada no dia seguinte. Fiquei deprimido por semanas.
Chegou o
vídeo cassete no Brasil! Puta que pariu, que alegria. Traci Lords, Ginger Lynn,
Nina Hartley, Debbie Diamond, Cicciolina. Todos pra casa do Jairzinho de pau na
mão, nos revezando na ida ao banheiro. Wellington então já estava envolvido em
outras paradas e trazia sempre uma presença pra galera. Ainda não era o verão
da lata, mas a maconha era boa, soltinha, verde, não essa prensada e malhada de
hoje em dia. Entre um baseado e outro filme com John Holmes íamos nos
especializando em experimentar novas sensações. Fumamos de tudo. Charuto, Cigarro
de palha, Orégano, Manjericão. Apostávamos quem conseguia esporrar mais longe.
Pelé sempre ganhava e se vangloriava em ser negão, ter o maior pau e porra mais
consistente. Em três anos havíamos provado de tudo. Coca, Ácido, Maconha, Chá
de Papoula, Cogumelo. Tanta droga me
deixou meio bobo e acabei indo parar num encontro jovem da igreja levada por
uma tia bastante preocupada com minha situação de só ouvir Doors, Raul e ler
Kerouac acreditando numa sociedade alternativa. Os caras me doparam com uns
mandamentos e musiquinhas de gosto duvidoso. Mas como tinha mulé a balde,
acomodei na situação. Decolores... decolores é a vida... decolores é o
amor... Uma merda que eu escutava e
fingia gostar cantando pra felicidade de minha tia nos almoços de domingo. Fiquei na igreja por dois anos sendo
domesticado espiritualmente e comendo por trás umas seis meninas ainda virgens,
jurando que Jesus aprovava o livre amor, convencendo que a verdadeira comunhão
só se dava no ato da penetração. Que os padrecos sabiam bem disso que Jesus
tinha comido Madalena pra atingir o Nirvana e a energia sexual chamada
Kundalini era boa pra nossa evolução. Misturava tudo, budismo, cristianismo,
misticismo, rosacruz e macumba e elas ficavam admiradas de como eu era uma alma
evoluída. Quase me julgando santo, eu também acreditava que poderia operar
milagres e que era um ser especial, escolhido pra dar prazer aos outros nesta
vida. Minha decepção com a igreja e a vida mística findou quando o padreco me
bulinou no confessionário. O viado pegou
no meu pau e dizendo que Deus se reconhecia em mim. Não fode velhote. Tô aqui
só pra trepar. Então vamos nos divertir. Tomar no cu. Soquei a cara do velhote
até sangrar e botei a boca no trombone. O grupo me excomungou dizendo que eu
inventava histórias e queria destruir a imagem da santa Igreja com calúnias e
difamações. Minha tia se disse decepcionada. Que eu não tinha mais jeito. Era
um perdido na vida. Jurei nunca mais por os pés numa igreja ou templo. Cortar
relações com o além. Vão todos os santos e carolas pro caralho! Foi mal. Não,
não mais me afastarei deste depoimento com minhas crises espirituais. Estou
aqui pra falar de minhas dependências. De como o vício nunca me abandonou, seja
qual fosse a droga. Preciso lembrar de tudo pra comover os tarados mais tarde.
Após o
período igreja arranjei um trampo numa loja Píer e tirava onda vendendo
sandubas naturais em Ipanema no fim de semana.
Logicamente, tudo que eu ganhava fazia questão de torrar nos puteiros de
Copa com Kelly, Sandrinha e Vanessa que viraram namoradinhas após a terceira
trepada e liberavam o cachê por conta da amizade. Esse foi um período feliz.
Menos drogas ilícitas, mais cerveja e putaria. Tentava vestibular pra biologia,
queria ser mergulhador e morar em Mauá. Coisas incompatíveis, porém plausíveis
em meus devaneios com as meninas. Vamos morar todos juntos, numa comunidade.
Vai ter que ter mais homem querido. Tudo bem. Amor livre, sem preconceito. Veio
87 e Sandrinha deu de achar uma lata do Solana Star. Puta, fizemos festa. Era
maconha no almoço, maconha no jantar. Maconha tá virando proteína alimentar eu
sou vampiro doidão passo o dia dormindo
e de noite fumo um baseadão. Não deu outra. Fiquei sem a Píer e as meninas sem
ganha pão. Não tinham forças nem pra fuder.
O
vestibular foi pras cucúias. As três voltaram pra Arcoverde, Manaus e
Pindamonhengaba, não necessariamente nesta ordem, e eu entrei numa deprê sem
precedentes. Diazepam na veia, receitaram. Tomei e não larguei mais. Tryptanol
de dia e Diazepam de noite. Dia após dia. Durante dez anos. Foi assim até
descobrirem o Prozac. Oba! Fiquei fã. 80 mg ao dia. Voltei a trabalhar e a
fuder como um louco. O médico amigo meu bem que avisou. Mexe um pouco com a
libido. Pode broxar ou te transformar num tarado. Ficava de pau duro a qualquer
hora. Virava noites procurando meninas na internet. Comi algumas. A maioria
feia pra caralho, mas muito depravadas. Desenvolvi uma teoria que mulher feia
fode muito porque precisa compensar a cara que Deus lhe deu. Cansei da internet
e fui caçar nas boates e locadoras de vídeo. Entrava na sessão pornô e esperava
aparecer uma também na mesma situação. Já viu este? Não. É o meu preferido.
Ganhou o Oscar do pornô. Vamos ver juntos? Passei várias na cara sob o efeito
do Prozac, porém sem gozar. Isso, a porra havia sumido. Metia a noite toda, mas
a porra não saia da pica. Tudo bem, dos males o menor. Consegui trocar o Prozac
agora recentemente, por uma droguinha mais moderna de nome Citalopram, que não
dá muito efeito colateral. Agora já consigo gozar e continuo feliz. Aos
quarenta broxei pela primeira vez. Não cheguei a ficar preocupado. Tomei um
exctasy e fui pra guerra. Na Dama de Ferro comi duas ontem no banheiro. Aos 44
já fiz algumas experiências com o Viagra, Cialis, Uprima e Levitra. Fico feliz
em saber que quando o pau não subir mais de vez essas drogas já estarão na
décima geração. É isso. Ponto. Se não contei mais é porque os neurônios já não
são mais os de antigamente. Alguns foram queimados juntos com os baseados, as
cocas, as orações e os antidepressivos. Agora vou tomar um banho, colocar um
perfuminho e seguir pro CSA. A loirinha tatuada deve estar lá. Alguns devem se
emocionar com o meu depoimento. Outros, ficarão excitados. Talvez eu fique
viciado neste tipo de encontro entre os taradinhos arrependidos. Que importa?
Minha vida sempre foi um vício e eu gosto de ser assim. Estou levando as
camisinhas. Arrumei a casa, joguei um bom ar no ambiente. Preparei o vinho, a
maconha e os chocolates. Por sorte passei de manhã na padaria e descobri os
cigarrinhos Pan que agora se chamam rolinhos de chocolates. Coisas de um mundo
moderno e politicamente correto. Eu, graças a Deus, continuo incorrigível.