terça-feira, 13 de agosto de 2013

DOIS BALAS E ALGUNS MANGOS

SEXTA
Um saco a solidão urbana. Quanto mais gente ao redor, mais sozinho se está. Um paradoxo pra lá de comprovado. Eu tinha saído às três de uma boate em Copa fincada num subsolo de um prédio caindo aos pedaços da década de 50. Fedia a cigarro, maconha e outros odores que só os frequentadores mais toscos saberiam identificar. Havia bebido umas dez latas de cerveja e meus ouvidos estavam parcialmente surdos pelo bate-estaca eletrônico do local. Ao invés de tomar um táxi até em casa, resolvi andar pra ver se a bebedeira ou a surdez passavam. Desci pela Barata cruzando com mendigos, adolescentes cheirando cola e um policial tomando uma média num botequim ainda aberto. Quando passei pelo Cervantes, resolvi que comer um daqueles sandubas feito à mão, com Abacaxi e Filé faria bem a ressaca anunciada do dia seguinte. De madrugada tudo é mais gostoso, mas eu tinha uma teoria que os sanduíches do Cervantes só eram bons porque feitos à mão. A gordura e o suor das mãos do cara que preparava os sanduíches, sem luvas logicamente, é que davam o sabor e a fama ao restaurante. Após me lambuzar com o suor e o sanduba, eu tinha ainda trinta mangos no bolso.  Mangos - era assim que a Araca já decadente e velha dava as notas no programa do Sílvio. Quanto vale o show, Aracy? Dez mangos, Silvio! A nota mais baixa era sempre a dela. Ranzinza, inconformada e amargurada talvez de terminar seus dias ali, num programa de quinta, julgando os incompetentes ridicularizados pelo apresentador. Ri sozinho da minha nostalgia e resolvi que a noite ainda não havia acabado e que eu precisava torrar os mangos. Trinta pra ser exato. Entrei no primeiro inferninho que me apareceu. Cicciolina. A atriz pornô italiana dava nome ao meu rumo. Trinta mangos e direito a um drink. Me parecia justo. Não queria comer ninguém. Àquela altura tinha sérias dúvidas se meu instrumento iria acatar qualquer ordem do meu cérebro. Só queria me divertir mais um pouco. Olhar uns peitos, depois tocar uma punheta se possível ao chegar em casa e dormir. Pedi um Uísque duplo, cowboy. Sentei numa quina de um sofá vermelho imitando couro entre duas garotas se acariciando e um grupo de moleques na faixa dos dezoito ainda deslumbrado com a nudez do corpo humano. Eu também não parava quieto em meu olhar, perdido entre tantas bundas, peitos e coxas a trezentos mangos por duas horas. Mangos que eu nem de longe sonhava em ter pra comprar uma daquelas meninas e levar pra um pulgueiro da Lapa. Por isso me contentava em olhar, fantasiar. Sexo seguro. Além do quê eu não saberia trepar com uma delas. Me orgulhava de nunca ter pago por sexo. Mesmo nas horas mais carentes eu tinha a sorte de um antigo caderno de telefones onde amigas me atendiam em troca só de um bom papo. Uma cerveja ou um vinho barato. Eu estava ali por curiosidade talvez ou por pura perversão de um tarado de 44 anos, solitário de tanto ouvir e tanto compreender. À minha frente estava uma senhora gorda, cinquentona, tomando algo que parecia uma cuba. Era a mais vestida de todas. Tinha noção do ridículo e ficava também sentada, à espera de algum coroa que lhe pagasse outro drink. Sorriu pra mim quando sentei e devolvi levantando o copo, sugerindo um brinde. Fiquei vendo o show que acabava de começar. Sexo explícito. Sem nenhum glamour. A moça se esfregava numa daquelas barras de ferro, rebolava daqui, dali, até que vinha um negão, vestido de policial a lá Village People, com uma vara que eu jamais tinha visto em qualquer filme pornô. A mocinha se esfregava nele, chupava, e num certo momento enfiava aquilo tudo dentro dela, de quatro. Incrível, mas cabia. Devia doer pra caralho, literalmente, pois a moça depois de umas dez estocadas do sujeito, tirou o bicho pra fora e lambeu mais um pouco pra delírio dos adolescentes ao meu lado que urravam como num jogo de futebol final de campeonato. A moça sorria, mexia com o pau do cara e baixava e subia a vara, como se o instrumento também agradecesse e fosse um artista a mais no palco. O negão levantou a garota, colocou sobre os ombros e a carregou pra dentro do camarim sob aplausos, enquanto ela dava thauzinhos e balançava as pernas. Bati palmas também. Mais pelo talento da putinha do que pela performance. Era incrível como ela conseguia agasalhar a trolha do negão, sorrindo, fingindo até mesmo um certo prazer. A velha continuava me olhando e fez um sinal de aprovação ao showzinho com os dois polegares pra cima como a pedir meu julgamento. Sorri mais uma vez e ela se sentiu mais intima até que cinco minutos depois o garçom me colocou mais um duplo cowboy na mesa. Oferecimento dela. Esse eu pago, disse. Só vim tomar este. Estou indo pra casa. Ela sorriu e perguntou se não tinha meia hora pra uma conversa. Uma conversa sem segundas intenções. Não vou arrumar mais nada mesmo a esta hora. Chega mais perto. Fui. Atendia pelo nome de Samantha. Como a bruxa do seriado, lembra? Lembro. A que mexia com o nariz. Você também faz mágicas com o nariz? Com o nariz não, mas mexo outra parte do corpo que é pura magia. Hahaha. Muito bom. Aceitei o drink e conversamos não por meia, mas umas duas, até o dia clarear. Samantha era boa de conversa e experiente, humor afiado que me deixou aceso e desperto por sua retórica de puta velha. Quando voltei pra casa após dez cervejas e quatro cowboys duplos tudo girava e não lembro muito bem como fui parar na cama ainda vestido e com um telefone no bolso.

SÁBADO
Voltei a Cicciolina meia-noite, com a promessa de pagar os três uísques que Samantha me oferecera. Não que eu fosse mal agradecido, mas é que o papo foi tão bom que eu me sentia na obrigação de retribuir e devolver os drinkes da noite anterior. Desta vez foi uma garrafa inteira. Ballantines, a nove mangos a dose. Mas desta vez não ficamos pro show. Uma porradaria no salão fechou a boate e antes que a polícia chegasse, Samantha me aconselhou cair fora pra não sobrar pra mim. Seguimos pro Leme, Universidade do Chopp. Era quase três quando começamos nossas divagações. Samantha era um ótimo papo, atualizada, discutia sobre desde a crise na faixa de Gaza até as falcatruas do governo federal, passando pela modelo a ser eliminada do Big Brother. Como eu, ela era cansada. Esgotada e arrasada aos cinqüenta e sete anos. Fodida e mal paga. Mas não tem pra onde fugir, baby. Se correr o bicho pega, se ficar eles nem te comem. Já não há mais saída pra mim. O jeito é levar até aonde der. Quando aparece um louco e me come por umas semanas eu me dou por satisfeita. O apê é meu. Comprei na época das vacas gordas. Agora a vaca gorda sou eu. Hahaha. Mas tá tranqüilo. Tenho o suficiente pra fazer as compras do mês. O jeito é ir matando um leão a cada dia. Já me diverti o bastante, não tenho do quê reclamar. Eu escutava sua história com ar de padre no confessionário. Só que não havia penitências a serem cumpridas. Ao contrário, era extremamente prazeroso ouvir todos aqueles pecados derrubados e servidos na mesa do bar. Samantha me transformava num ingênuo, num tolinho inexperiente que não tinha vivido a metade e que tinha muito a aprender. Quando amanheceu ela chamou o táxi de um amigo. Me deixou em casa e seguiu com o baixinho motorista, careca, com ares de nordestino da feira dos paraíbas. Como é que você paga o cara? Ah, meu querido, eu tô velha, mas minha chupada ainda é uma das melhores.  Confesso que meu pau chegou a se manifestar. Coroa esperta. O sexo seria o seu ganha pão até o fim. E eu pensava seriamente em perder minha honradez e pela primeira vez pagar pra comer alguém.

DOMINGO
Às quatro da tarde depois de tomar o café, procurei pelo telefone no bolso da camisa. Alô. Tô a fim de um programa. Quanto é? Pra você tem desconto. 50%. Cem paus. Cem mangos, disse. Lembra da Araca? É assim que ela falava no programa do Silvio. Hahaha. Você parou no tempo, baby. Nostalgia pura. Marquei às 10 na casa dela. Já estávamos íntimos para tal. Passei numa Pacheco da vida e comprei a pílula azul, caixinha com quatro comprimidos. Cento e cinco mangos. Não que eu precise destas ajudas químicas. Modéstia à parte, meu pau ainda se sustenta sem remédios, mas para encarar Samantha eu precisava de uma força. Tinha medo de que quando ela tirasse a roupa, minha moral fosse pro espaço e eu não queria dar esse mole. Tomei dois. O bicho ficou inchado. Uma bomba vermelha, quase roxo. Quando ela abriu a porta e me viu assim ficou espantada, quase orgulhosa. Baby, que lindo. Caiu de boca. Chupava como nunca eu tinha experimentado, sugando meu saco, colocando as bolas pra dentro e sorvendo a cabeça do meu pau, a glande encostando no céu da boca, babando, escorrendo a baba pelos peitos e esfregando os dois já meio murchos, mas ainda apetitosos.  Mexia a língua e a virava por completo, envolvendo o pau, numa elasticidade que me fez entender o seu apelido inspirado no seriado. Quando gozei na sua boca, Samantha antes de engolir me mostrou a porra entre os dentes. Lambeu os beiços. Filha da puta. Não, a puta sou eu mesmo. Tira minha mãe da história. Hahaha. A pica murchou durante o tempo dela pegar uma garrafa de Ballantines e encher os copos. Molhou minha pica no Bala e chupou mais um pouco até o bicho crescer. Quando a garrafa acabou, foi pra cama e tirou a roupa me oferecendo uma das piores visões que um homem pode ter. As pelancas da velha caíam e murchas balançavam, enquanto ela fazia caras e bocas me seduzindo. Tive pena. Mas agora era questão de honra. Um homem não pode deixar uma mulher assim. Apaguei a luz e virei ela de quatro. Enfiei minha vara com toda a força naquela buça velha e estoquei tanto quanto pude enquanto ela gritava e eu imaginava ser de felicidade e prazer. Mete, baby. Mete. Samantha urrava e eu sentia sua buça quente e melada na minha pica. Muito molhada. Vai. Isso. Mete igual homem! Continuei metendo durante muito tempo até não ouvir mais a voz da bruxa. Quando esporrei, Samantha já estava dormindo. Caí ao seu lado tonto pelo uísque e apaguei também. A noite, quando acendi as luzes a cama estava banhada de sangue. Minha pica um lixo. Tive medo de tocar na coroa. Medo dela não ouvir. De não se mexer. Estranho. Muita intimidade pra três dias apenas. Tirei os cem mangos e deixei na cabeceira. Não sei se ela ainda iria fazer as compras do mês. Mas ao menos parecia sorrir de olhos fechados. Bati a porta e voltei pra casa meio deprê e ainda de pau duro. Passei por mendigos, meninos e velhos tristes jogando paciência. Quanto mais gente ao redor, mais sozinho se está. Um saco a solidão urbana.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

LA PETIT MORT


Passaram-se dois anos desde a sua primeira morte.  Morte dolorosa, com requintes de crueldade. Tortura. Havia morrido outras vezes, mas pequenas mortes. Mortes de mentirinha. Brincadeiras de criança. O fato é que quando morreu de verdade foi enterrado vivo. Sem que conseguisse se revirar no túmulo. Não fora assassinado. Nem tampouco suicídio. Morrera de comum acordo. Hora após hora, ano após ano de paixão doentia e contagiosa. Todo homem tem direito a um amor que o eleva e o destrói, disseram a ele. Também disseram que tudo passaria, que era questão de tempo. Mas o óbito já fora atestado. O relógio na foto estava parado. Nada do que fizessem, milagres, ressurreições, o levaria de volta à sua vida anterior. Ele estava mudado, mumificado, zumbi para sempre.
Esta era sua sina. Sua maldição. Aos poucos foi se acostumando com a idéia de que jamais viveria de novo. Jamais sentiria nas veias o sangue correndo como outrora. E achou que carregaria este moto contínuo até o fim dos seus dias e a chegada da outra morte, a definitiva. Um homem de 44 fazendo hora pra fechar a tampa. Coisa por demais comum.
Às quatro da manhã sentou em outro boteco pra mais um copo de cerveja. Companheiros de trabalho, mortos como ele, mas sem reconhecer o próprio cadáver. A Lapa a noite é cheia de figuras assim. Homens e mulheres, caçando olhares, mendigando atenção, uma paquera bêbada, uma foda irrelevante pra ter segundos de carne na cama. Com ele não era diferente. A noite servia pra isso. Uma trepada vez em quando. Um orgasmo sem conseqüências que o deslocava deste mundo. Pensava que isso era o que o salvava. Seu prêmio de consolação. Uma consignação dos deuses. La petit mort. Passava noites e noites assim. Buscando uma partner para mágica do gozo. Sem envolvimento. Sexo só. Até que esporrasse. Pronto. Uma fuga. Um momento fortuito da vida que ele não tinha mais.
A garota sentou bêbada à sua frente. Me paga uma cerveja. Bebe aí, disse. Estendendo o copo na sua direção. Os amigos sacanearam. Tiozinho. Ele levantou o dedo médio. Vão pra puta que pariu. Bacacas, ela disse. Eles me amam, respondeu. Vão pra casa levar esporro das esposas. Todas mal comidas, gordas e infelizes. Hahaha. E você tiozinho? Vou te comer hoje. Vai ter que me convencer, disse.  Isso é fácil, olha aqui. Colocou a mão da menina sobre a calça. Não esmorecia tão facilmente, ainda mais de frente pra uma ninfeta de 16, 17. Puta, que coisa tio, vai me rachar ao meio com isso. É muito grande pra mim. Sou muito apertada ainda. Pediu outra cerveja. Saíram com a garrafa em punho do boteco e começaram a caminhar pelas ruas tumultuadas. Um misto de odores embriagava e entorpecia.  Maconha, suor, cerveja. Pessoas se esbarravam, se misturavam numa quase orgia urbana, roçando seus corpos, tropeçando em vômitos, bêbados, loucos felizes em seu carnaval fora de época.  Pararam na escadaria. Sentaram e ela apertou um baseado. Sabe que isso aqui foi tudo feito por um artista estrangeiro? Acho que argentino, uruguaio, sei lá. O cara pega azulejos e fica colando, criando esses mosaicos. Manero, né? Puxou a fumaça. Não tinha vontade de falar. Quando se morre uma vez é assim. Sabia o que queira e não estava pra bate papos sobre a arte não reconhecida do Selarón, chileno bacana que loucamente embelezava a cidade com sua obra sem ganhar nada com isso. Senta aqui menina. Pôs o pau pra fora e a menina começou a masturbar. A escada estava escura.  Os poucos casais ao lado não estavam nem aí pro que acontecia ao seu redor. A menina cuspiu na mão e intensificou o movimento. Levantou a saia e sentou lentamente sobre a pica. Era apertada mesmo. Devagar tio, não quero que vejam. Sem muito movimento tá?
A garota fedia. Sua buceta tinha um cheiro de amônia que o excitou mais. Não vai gozar dentro viu? Rebolava enquanto dava mais um tapa na maconha e bebia a cerveja. Sabe de uma coisa, tio? Eu gosto daqui. A noite sempre me traz uma surpresa. Não tem medo de eu ter doença? Hahaha. Fica frio. Tô limpa. Fiz o teste esses dias. Trepei com três num festa da facul. Tava doida e não liguei. Só caiu a ficha no dia seguinte. Então fui no posto. Devagar. Você bem que podia armar uma com seus amiguinhos hein? Me arruma uma maconha e cerveja que eu vou. Eu acho até que... Levantou com o pau ainda duro. Mexeu um pouco até que esporrou nos azulejos. Nossa, já? Vou nessa. Que foi cara? Amarelou? Cansei. Tenho que trabalhar amanhã. Vai voltar pra esposa gorda? Não, ela morreu comigo faz uns anos. Ih, foi mal. Paga outra cerveja? Deixou mais uns trocados e desceu as escadas de Selarón. Cuidando para pisar em alguns azulejos e em outros não. Manias de infância que ainda guardava. Com o pouco de vida que lhe fora cedido atravessou ainda cambaleando a avenida de travecos, putas e viciados de todos os tipos. Gente bem menos bizarra do que ele, pensava.  Chegou a sua quitinete fétida na Glória e ligou a TV num desses programas evangélicos. Era umas das poucas coisas que o faziam rir. Amanhecia no Rio. Sentou no computador e começou a escrever para ela. Deletou tudo quando o sono chegou. Pensou ainda bêbado, em ligar e dizer que o assassinasse mais uma vez. Uma só vez e esta seria a definitiva. Chegou a pegar no fone, mas o sono veio antes da burrice. Melhor assim. Voltou ao seu estado de defunto enquanto o sol despontava nos arcos da Lapa e o pastor da TV pedia perdão por todos os pecados do mundo. 

sexta-feira, 26 de abril de 2013

PEQUENOS VÍCIOS



Bem sei como tudo começou. Com os cigarrinhos de chocolate. Vinham em dez ou doze numa caixa com um neguinho sorrindo feliz da vida com um deles entre os dedos. Eu, que na época sonhava em ser crioulo que nem o Wellington, colega de turma que batia um bolão e tinha o codinome de Pelé no racha, achei que poderia chegar perto se parecesse com o neguinho da embalagem. Comecei devagar, uma caixa por dia, comprada com o dinheiro da merenda, tirando onda com as meninas e cantarolando o jingle do Hollyood, entre um recreio e outro ao lado de Pelé e outros craques da racha. Não, não estou justificando minha atual situação, mas qualquer psicólogo de merda ficaria comovido ao saber que depois de comer três carteiras por dia, passei pras moedinhas de ouro que imitavam um Cruzeiro. Meu recorde foi sessenta e quatro cruzeiros em uma hora apenas, pra inveja de Pelé e Jairzinho que pararam nas quarenta e nove moedas. Tanto chocolate nos deixava ligados, espertíssimos, moleques com bicho carpinteiro, como dizia minha falecida avó também viciada em três carteiras de Hollyood por dia. Um dia a mãe foi chamada na escola e eu, Pelé e Jairzinho pra inspetoria por suspeita de trocar nossos kichutes por dez sacos de moedinhas com o Juca, dono da barraquinha de balas. Minha mãe não caiu no conto do assalto (que na época era meio inverossímil um moleque de nove anos ser assaltado em plena Laranjeiras), o Juca foi expulso de seu ponto na frente da escola e eu levei uma surra de cinto que me deixou traumatizado com os chocolates.
A falta do Juca, trafica de moedas, cigarros, laranjinhas, balas boneco, soft e outras merdas viciantes, nos levou a procurar outra coisa pra nos animar. Jairzinho ganhou do pai separado um telejogo. Vamos estudar na casa dele, era a senha liberada por todas as mães e lá íamos eu e Wellington passar um fim de semana inteiro entre paredão, tênis e futebol de tarde, cigarros hollyood no banheiro à noite e sala especial com Vera Fisher na madrugada. Felicidade geral quando aparecia um peitinho da Vera ou da Lucélia pra gente correr ao banheiro e deixar a Ele e Ela do pai do Jair com mais páginas grudadas. Três vezes no mínimo cada um. Litros de porra adolescente. Mas para quê estou contando tudo isso? Ah, sim. Estou tentando justificar porque entrei para o CSA. Compulsivos Sexuais Anônimos. Foi uma seqüência de pequenos vícios. Este é o discurso que estou preparando para mais tarde, quando terei que dar um depoimento e comover a todos tarados da reunião. O melhor destas reuniões é que há sempre um ou outro que não está ali pra se curar, e sim em busca de mais sacanagem. No último encontro havia uma loirinha tatuada que me comia com os olhos. Olhei pra ela e a puta abriu as pernas. Sem calcinha. Sorriu e piscou um olho. Hahaha. Vim ao lugar certo, pensei. Fiz cara de cachorro arrependido e assinei a ficha de inscrição. Nunca procurar sexo foi tão fácil. Saí e levei a putinha pra casa. Fodão. Mas o depoimento é verídico. Não estou mentindo em nada do que escrevo aqui. E se me esmiúço nas lembranças é que tomei gosto pela coisa e faz bem revirar o baú de memórias. Lucélia foi minha campeã de homenagens, só perdendo para Narjara Turetta em Malu Mulher que rendia bem umas cinco punhetas a cada episódio, toda quinta à noite. Eu tinha quatorze anos e muita disposição. Mais uma vez a grana da merenda era economizada sistematicamente para a compra de Ele e Ela, Internacional, outras bem mais barra pesada que ficavam escondidas no fundo do armário, sendo achadas volta e meia pela empregada Jussara. Ah, Jussara! Mulatinha gorda e safada dezoito aninhos, cúmplice de minhas pequenas perversões. Um dia entrou no meu quarto e me pegou de pau na mão. Que isso que tu tá fazendo garoto? Não adivinha? Se tua mãe sabe de uma coisa dessas... Pára com isso Juça. Olha só pra essa foto. Onde é que tu arranja isso menino? Com o jornaleiro da esquina. Tem mais aqui, quer ver? Só um pouco que eu tenho que voltar pro serviço. Pediu umas revistas pra levar pro quarto. Só se você pegar aqui. Pára garoto! Pega aqui senão conto pra mãe que você adora uma sacanagem e fica no telefone pendurada com o teu macho. Pegou e chupou. Também chupei seus peitos. A boceta eu tinha nojo, só enfiava o dedo. Até hoje lembro do cheiro de suor. Das auréolas imensas dos peitos de Jussara. Meu primeiro toque numa mulher de verdade. Durou bem uns dois meses minha aventura. Um dia minha mãe chegou e nos descobriu trancados no quartinho da despensa. Jussara foi dispensada no dia seguinte. Fiquei deprimido por semanas.
Chegou o vídeo cassete no Brasil! Puta que pariu, que alegria. Traci Lords, Ginger Lynn, Nina Hartley, Debbie Diamond, Cicciolina. Todos pra casa do Jairzinho de pau na mão, nos revezando na ida ao banheiro. Wellington então já estava envolvido em outras paradas e trazia sempre uma presença pra galera. Ainda não era o verão da lata, mas a maconha era boa, soltinha, verde, não essa prensada e malhada de hoje em dia. Entre um baseado e outro filme com John Holmes íamos nos especializando em experimentar novas sensações. Fumamos de tudo. Charuto, Cigarro de palha, Orégano, Manjericão. Apostávamos quem conseguia esporrar mais longe. Pelé sempre ganhava e se vangloriava em ser negão, ter o maior pau e porra mais consistente. Em três anos havíamos provado de tudo. Coca, Ácido, Maconha, Chá de Papoula, Cogumelo.  Tanta droga me deixou meio bobo e acabei indo parar num encontro jovem da igreja levada por uma tia bastante preocupada com minha situação de só ouvir Doors, Raul e ler Kerouac acreditando numa sociedade alternativa. Os caras me doparam com uns mandamentos e musiquinhas de gosto duvidoso. Mas como tinha mulé a balde, acomodei na situação. Decolores... decolores é a vida... decolores é o amor...  Uma merda que eu escutava e fingia gostar cantando pra felicidade de minha tia nos almoços de domingo.  Fiquei na igreja por dois anos sendo domesticado espiritualmente e comendo por trás umas seis meninas ainda virgens, jurando que Jesus aprovava o livre amor, convencendo que a verdadeira comunhão só se dava no ato da penetração. Que os padrecos sabiam bem disso que Jesus tinha comido Madalena pra atingir o Nirvana e a energia sexual chamada Kundalini era boa pra nossa evolução. Misturava tudo, budismo, cristianismo, misticismo, rosacruz e macumba e elas ficavam admiradas de como eu era uma alma evoluída. Quase me julgando santo, eu também acreditava que poderia operar milagres e que era um ser especial, escolhido pra dar prazer aos outros nesta vida. Minha decepção com a igreja e a vida mística findou quando o padreco me bulinou no confessionário.  O viado pegou no meu pau e dizendo que Deus se reconhecia em mim. Não fode velhote. Tô aqui só pra trepar. Então vamos nos divertir. Tomar no cu. Soquei a cara do velhote até sangrar e botei a boca no trombone. O grupo me excomungou dizendo que eu inventava histórias e queria destruir a imagem da santa Igreja com calúnias e difamações. Minha tia se disse decepcionada. Que eu não tinha mais jeito. Era um perdido na vida. Jurei nunca mais por os pés numa igreja ou templo. Cortar relações com o além. Vão todos os santos e carolas pro caralho! Foi mal. Não, não mais me afastarei deste depoimento com minhas crises espirituais. Estou aqui pra falar de minhas dependências. De como o vício nunca me abandonou, seja qual fosse a droga. Preciso lembrar de tudo pra comover os tarados mais tarde.
Após o período igreja arranjei um trampo numa loja Píer e tirava onda vendendo sandubas naturais em Ipanema no fim de semana.  Logicamente, tudo que eu ganhava fazia questão de torrar nos puteiros de Copa com Kelly, Sandrinha e Vanessa que viraram namoradinhas após a terceira trepada e liberavam o cachê por conta da amizade. Esse foi um período feliz. Menos drogas ilícitas, mais cerveja e putaria. Tentava vestibular pra biologia, queria ser mergulhador e morar em Mauá. Coisas incompatíveis, porém plausíveis em meus devaneios com as meninas. Vamos morar todos juntos, numa comunidade. Vai ter que ter mais homem querido. Tudo bem. Amor livre, sem preconceito. Veio 87 e Sandrinha deu de achar uma lata do Solana Star. Puta, fizemos festa. Era maconha no almoço, maconha no jantar. Maconha tá virando proteína alimentar eu sou vampiro doidão  passo o dia dormindo e de noite fumo um baseadão. Não deu outra. Fiquei sem a Píer e as meninas sem ganha pão. Não tinham forças nem pra fuder.
O vestibular foi pras cucúias. As três voltaram pra Arcoverde, Manaus e Pindamonhengaba, não necessariamente nesta ordem, e eu entrei numa deprê sem precedentes. Diazepam na veia, receitaram. Tomei e não larguei mais. Tryptanol de dia e Diazepam de noite. Dia após dia. Durante dez anos. Foi assim até descobrirem o Prozac. Oba! Fiquei fã. 80 mg ao dia. Voltei a trabalhar e a fuder como um louco. O médico amigo meu bem que avisou. Mexe um pouco com a libido. Pode broxar ou te transformar num tarado. Ficava de pau duro a qualquer hora. Virava noites procurando meninas na internet. Comi algumas. A maioria feia pra caralho, mas muito depravadas. Desenvolvi uma teoria que mulher feia fode muito porque precisa compensar a cara que Deus lhe deu. Cansei da internet e fui caçar nas boates e locadoras de vídeo. Entrava na sessão pornô e esperava aparecer uma também na mesma situação. Já viu este? Não. É o meu preferido. Ganhou o Oscar do pornô. Vamos ver juntos? Passei várias na cara sob o efeito do Prozac, porém sem gozar. Isso, a porra havia sumido. Metia a noite toda, mas a porra não saia da pica. Tudo bem, dos males o menor. Consegui trocar o Prozac agora recentemente, por uma droguinha mais moderna de nome Citalopram, que não dá muito efeito colateral. Agora já consigo gozar e continuo feliz. Aos quarenta broxei pela primeira vez. Não cheguei a ficar preocupado. Tomei um exctasy e fui pra guerra. Na Dama de Ferro comi duas ontem no banheiro. Aos 44 já fiz algumas experiências com o Viagra, Cialis, Uprima e Levitra. Fico feliz em saber que quando o pau não subir mais de vez essas drogas já estarão na décima geração. É isso. Ponto. Se não contei mais é porque os neurônios já não são mais os de antigamente. Alguns foram queimados juntos com os baseados, as cocas, as orações e os antidepressivos. Agora vou tomar um banho, colocar um perfuminho e seguir pro CSA. A loirinha tatuada deve estar lá. Alguns devem se emocionar com o meu depoimento. Outros, ficarão excitados. Talvez eu fique viciado neste tipo de encontro entre os taradinhos arrependidos. Que importa? Minha vida sempre foi um vício e eu gosto de ser assim. Estou levando as camisinhas. Arrumei a casa, joguei um bom ar no ambiente. Preparei o vinho, a maconha e os chocolates. Por sorte passei de manhã na padaria e descobri os cigarrinhos Pan que agora se chamam rolinhos de chocolates. Coisas de um mundo moderno e politicamente correto. Eu, graças a Deus, continuo incorrigível.