sexta-feira, 26 de abril de 2013

PEQUENOS VÍCIOS



Bem sei como tudo começou. Com os cigarrinhos de chocolate. Vinham em dez ou doze numa caixa com um neguinho sorrindo feliz da vida com um deles entre os dedos. Eu, que na época sonhava em ser crioulo que nem o Wellington, colega de turma que batia um bolão e tinha o codinome de Pelé no racha, achei que poderia chegar perto se parecesse com o neguinho da embalagem. Comecei devagar, uma caixa por dia, comprada com o dinheiro da merenda, tirando onda com as meninas e cantarolando o jingle do Hollyood, entre um recreio e outro ao lado de Pelé e outros craques da racha. Não, não estou justificando minha atual situação, mas qualquer psicólogo de merda ficaria comovido ao saber que depois de comer três carteiras por dia, passei pras moedinhas de ouro que imitavam um Cruzeiro. Meu recorde foi sessenta e quatro cruzeiros em uma hora apenas, pra inveja de Pelé e Jairzinho que pararam nas quarenta e nove moedas. Tanto chocolate nos deixava ligados, espertíssimos, moleques com bicho carpinteiro, como dizia minha falecida avó também viciada em três carteiras de Hollyood por dia. Um dia a mãe foi chamada na escola e eu, Pelé e Jairzinho pra inspetoria por suspeita de trocar nossos kichutes por dez sacos de moedinhas com o Juca, dono da barraquinha de balas. Minha mãe não caiu no conto do assalto (que na época era meio inverossímil um moleque de nove anos ser assaltado em plena Laranjeiras), o Juca foi expulso de seu ponto na frente da escola e eu levei uma surra de cinto que me deixou traumatizado com os chocolates.
A falta do Juca, trafica de moedas, cigarros, laranjinhas, balas boneco, soft e outras merdas viciantes, nos levou a procurar outra coisa pra nos animar. Jairzinho ganhou do pai separado um telejogo. Vamos estudar na casa dele, era a senha liberada por todas as mães e lá íamos eu e Wellington passar um fim de semana inteiro entre paredão, tênis e futebol de tarde, cigarros hollyood no banheiro à noite e sala especial com Vera Fisher na madrugada. Felicidade geral quando aparecia um peitinho da Vera ou da Lucélia pra gente correr ao banheiro e deixar a Ele e Ela do pai do Jair com mais páginas grudadas. Três vezes no mínimo cada um. Litros de porra adolescente. Mas para quê estou contando tudo isso? Ah, sim. Estou tentando justificar porque entrei para o CSA. Compulsivos Sexuais Anônimos. Foi uma seqüência de pequenos vícios. Este é o discurso que estou preparando para mais tarde, quando terei que dar um depoimento e comover a todos tarados da reunião. O melhor destas reuniões é que há sempre um ou outro que não está ali pra se curar, e sim em busca de mais sacanagem. No último encontro havia uma loirinha tatuada que me comia com os olhos. Olhei pra ela e a puta abriu as pernas. Sem calcinha. Sorriu e piscou um olho. Hahaha. Vim ao lugar certo, pensei. Fiz cara de cachorro arrependido e assinei a ficha de inscrição. Nunca procurar sexo foi tão fácil. Saí e levei a putinha pra casa. Fodão. Mas o depoimento é verídico. Não estou mentindo em nada do que escrevo aqui. E se me esmiúço nas lembranças é que tomei gosto pela coisa e faz bem revirar o baú de memórias. Lucélia foi minha campeã de homenagens, só perdendo para Narjara Turetta em Malu Mulher que rendia bem umas cinco punhetas a cada episódio, toda quinta à noite. Eu tinha quatorze anos e muita disposição. Mais uma vez a grana da merenda era economizada sistematicamente para a compra de Ele e Ela, Internacional, outras bem mais barra pesada que ficavam escondidas no fundo do armário, sendo achadas volta e meia pela empregada Jussara. Ah, Jussara! Mulatinha gorda e safada dezoito aninhos, cúmplice de minhas pequenas perversões. Um dia entrou no meu quarto e me pegou de pau na mão. Que isso que tu tá fazendo garoto? Não adivinha? Se tua mãe sabe de uma coisa dessas... Pára com isso Juça. Olha só pra essa foto. Onde é que tu arranja isso menino? Com o jornaleiro da esquina. Tem mais aqui, quer ver? Só um pouco que eu tenho que voltar pro serviço. Pediu umas revistas pra levar pro quarto. Só se você pegar aqui. Pára garoto! Pega aqui senão conto pra mãe que você adora uma sacanagem e fica no telefone pendurada com o teu macho. Pegou e chupou. Também chupei seus peitos. A boceta eu tinha nojo, só enfiava o dedo. Até hoje lembro do cheiro de suor. Das auréolas imensas dos peitos de Jussara. Meu primeiro toque numa mulher de verdade. Durou bem uns dois meses minha aventura. Um dia minha mãe chegou e nos descobriu trancados no quartinho da despensa. Jussara foi dispensada no dia seguinte. Fiquei deprimido por semanas.
Chegou o vídeo cassete no Brasil! Puta que pariu, que alegria. Traci Lords, Ginger Lynn, Nina Hartley, Debbie Diamond, Cicciolina. Todos pra casa do Jairzinho de pau na mão, nos revezando na ida ao banheiro. Wellington então já estava envolvido em outras paradas e trazia sempre uma presença pra galera. Ainda não era o verão da lata, mas a maconha era boa, soltinha, verde, não essa prensada e malhada de hoje em dia. Entre um baseado e outro filme com John Holmes íamos nos especializando em experimentar novas sensações. Fumamos de tudo. Charuto, Cigarro de palha, Orégano, Manjericão. Apostávamos quem conseguia esporrar mais longe. Pelé sempre ganhava e se vangloriava em ser negão, ter o maior pau e porra mais consistente. Em três anos havíamos provado de tudo. Coca, Ácido, Maconha, Chá de Papoula, Cogumelo.  Tanta droga me deixou meio bobo e acabei indo parar num encontro jovem da igreja levada por uma tia bastante preocupada com minha situação de só ouvir Doors, Raul e ler Kerouac acreditando numa sociedade alternativa. Os caras me doparam com uns mandamentos e musiquinhas de gosto duvidoso. Mas como tinha mulé a balde, acomodei na situação. Decolores... decolores é a vida... decolores é o amor...  Uma merda que eu escutava e fingia gostar cantando pra felicidade de minha tia nos almoços de domingo.  Fiquei na igreja por dois anos sendo domesticado espiritualmente e comendo por trás umas seis meninas ainda virgens, jurando que Jesus aprovava o livre amor, convencendo que a verdadeira comunhão só se dava no ato da penetração. Que os padrecos sabiam bem disso que Jesus tinha comido Madalena pra atingir o Nirvana e a energia sexual chamada Kundalini era boa pra nossa evolução. Misturava tudo, budismo, cristianismo, misticismo, rosacruz e macumba e elas ficavam admiradas de como eu era uma alma evoluída. Quase me julgando santo, eu também acreditava que poderia operar milagres e que era um ser especial, escolhido pra dar prazer aos outros nesta vida. Minha decepção com a igreja e a vida mística findou quando o padreco me bulinou no confessionário.  O viado pegou no meu pau e dizendo que Deus se reconhecia em mim. Não fode velhote. Tô aqui só pra trepar. Então vamos nos divertir. Tomar no cu. Soquei a cara do velhote até sangrar e botei a boca no trombone. O grupo me excomungou dizendo que eu inventava histórias e queria destruir a imagem da santa Igreja com calúnias e difamações. Minha tia se disse decepcionada. Que eu não tinha mais jeito. Era um perdido na vida. Jurei nunca mais por os pés numa igreja ou templo. Cortar relações com o além. Vão todos os santos e carolas pro caralho! Foi mal. Não, não mais me afastarei deste depoimento com minhas crises espirituais. Estou aqui pra falar de minhas dependências. De como o vício nunca me abandonou, seja qual fosse a droga. Preciso lembrar de tudo pra comover os tarados mais tarde.
Após o período igreja arranjei um trampo numa loja Píer e tirava onda vendendo sandubas naturais em Ipanema no fim de semana.  Logicamente, tudo que eu ganhava fazia questão de torrar nos puteiros de Copa com Kelly, Sandrinha e Vanessa que viraram namoradinhas após a terceira trepada e liberavam o cachê por conta da amizade. Esse foi um período feliz. Menos drogas ilícitas, mais cerveja e putaria. Tentava vestibular pra biologia, queria ser mergulhador e morar em Mauá. Coisas incompatíveis, porém plausíveis em meus devaneios com as meninas. Vamos morar todos juntos, numa comunidade. Vai ter que ter mais homem querido. Tudo bem. Amor livre, sem preconceito. Veio 87 e Sandrinha deu de achar uma lata do Solana Star. Puta, fizemos festa. Era maconha no almoço, maconha no jantar. Maconha tá virando proteína alimentar eu sou vampiro doidão  passo o dia dormindo e de noite fumo um baseadão. Não deu outra. Fiquei sem a Píer e as meninas sem ganha pão. Não tinham forças nem pra fuder.
O vestibular foi pras cucúias. As três voltaram pra Arcoverde, Manaus e Pindamonhengaba, não necessariamente nesta ordem, e eu entrei numa deprê sem precedentes. Diazepam na veia, receitaram. Tomei e não larguei mais. Tryptanol de dia e Diazepam de noite. Dia após dia. Durante dez anos. Foi assim até descobrirem o Prozac. Oba! Fiquei fã. 80 mg ao dia. Voltei a trabalhar e a fuder como um louco. O médico amigo meu bem que avisou. Mexe um pouco com a libido. Pode broxar ou te transformar num tarado. Ficava de pau duro a qualquer hora. Virava noites procurando meninas na internet. Comi algumas. A maioria feia pra caralho, mas muito depravadas. Desenvolvi uma teoria que mulher feia fode muito porque precisa compensar a cara que Deus lhe deu. Cansei da internet e fui caçar nas boates e locadoras de vídeo. Entrava na sessão pornô e esperava aparecer uma também na mesma situação. Já viu este? Não. É o meu preferido. Ganhou o Oscar do pornô. Vamos ver juntos? Passei várias na cara sob o efeito do Prozac, porém sem gozar. Isso, a porra havia sumido. Metia a noite toda, mas a porra não saia da pica. Tudo bem, dos males o menor. Consegui trocar o Prozac agora recentemente, por uma droguinha mais moderna de nome Citalopram, que não dá muito efeito colateral. Agora já consigo gozar e continuo feliz. Aos quarenta broxei pela primeira vez. Não cheguei a ficar preocupado. Tomei um exctasy e fui pra guerra. Na Dama de Ferro comi duas ontem no banheiro. Aos 44 já fiz algumas experiências com o Viagra, Cialis, Uprima e Levitra. Fico feliz em saber que quando o pau não subir mais de vez essas drogas já estarão na décima geração. É isso. Ponto. Se não contei mais é porque os neurônios já não são mais os de antigamente. Alguns foram queimados juntos com os baseados, as cocas, as orações e os antidepressivos. Agora vou tomar um banho, colocar um perfuminho e seguir pro CSA. A loirinha tatuada deve estar lá. Alguns devem se emocionar com o meu depoimento. Outros, ficarão excitados. Talvez eu fique viciado neste tipo de encontro entre os taradinhos arrependidos. Que importa? Minha vida sempre foi um vício e eu gosto de ser assim. Estou levando as camisinhas. Arrumei a casa, joguei um bom ar no ambiente. Preparei o vinho, a maconha e os chocolates. Por sorte passei de manhã na padaria e descobri os cigarrinhos Pan que agora se chamam rolinhos de chocolates. Coisas de um mundo moderno e politicamente correto. Eu, graças a Deus, continuo incorrigível. 

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